Nem sempre percebemos o momento exato em que algo muda de verdade. Mas na música, a transformação pode ser percebida facilmente – basta saber escutá-la. No concerto que realiza na Sala Cecília Meireles, o pianista Christian Leotta convida o público a embarcar numa viagem através da evolução da sonata para piano de Beethoven. Uma escuta guiada por mãos experientes, capazes de revelar toda a densidade emocional e estrutural de cada fase criativa do compositor.
O percurso se inicia com a Sonata para Piano L 14 em Dó Maior (WoO 51, do catálogo Kinsky-Halm), publicada postumamente em 1830. Breve e injustamente pouco tocada, a peça revela um surpreendente equilíbrio entre rigor formal e delicadeza expressiva. Leotta evidencia o uso original do arpejo como elemento estrutural e o tom intimista, possivelmente pensado para um pequeno instrumento de teclado, como a orfíca. O Adagio final, um dos mais intensos do jovem Beethoven, ressoa com uma doçura tensa, suspensa entre introspecção e invenção poética.
Em seguida, ouvimos a Sonata para Piano L 26 em Dó Maior, Op. 53, a célebre Waldstein, escrita entre 1803 e 1804. Aqui tudo se transforma: o piano se expande em novas dimensões sonoras, a escrita se torna audaciosa, e a forma se dilata com força e clareza. O primeiro movimento, carregado de energia e invenção tímbrica, se abre com um impulso visionário; o segundo, breve e lírico, prepara com uma serenidade misteriosa o Rondo final, que culmina num Prestissimo de luz e esplendor. Leotta realça o equilíbrio interno da obra, devolvendo ao público tanto sua potência quanto sua leveza.
Após o intervalo, chega a Sonata para Piano L 39 em Dó Menor, Op. 111, a última do ciclo, composta entre 1821 e 1822. Dois movimentos que contêm um universo expressivo. O primeiro, iniciado por um Maestoso solene, evolui para um Allegro con brio, no qual Beethoven entrelaça contraponto e virtuosismo num diálogo dramático entre tensão e lirismo. O segundo movimento, a Arietta, é uma das páginas mais sublimes da história da música: um tema simples se transforma em variações que, aos poucos, se dissolvem no silêncio. Um adeus à forma e ao mundo. Leotta a interpreta com profunda sensibilidade e medida, suspendendo o tempo entre pensamento e luz.
Christian Leotta percorre esse caminho com rigor e liberdade, unindo a profundidade do estudo à espontaneidade da interpretação. Cada passagem é clara, cada ideia musical tem um sentido preciso. Para o público, é uma oportunidade rara: acompanhar de perto como evolui uma forma musical e, junto com ela, o próprio olhar de um artista sobre si e sobre o mundo.
Christian Leotta
Christian Leotta é considerado um dos maiores intérpretes de Beethoven de sua geração. Nascido em 1980, estreou muito jovem, aos vinte e dois anos, apresentando a integral das 32 sonatas para piano de Beethoven – feito que repetiu em diversas cidades do mundo.
Estudou no Conservatório Giuseppe Verdi de Milão e na Tureck Bach Research Foundation, em Oxford, aperfeiçoando-se com mestres como Karl Ulrich Schnabel e Rosalyn Tureck.
Apresentou-se na Europa, Ásia, África e Américas. Foi o primeiro pianista a executar a integral das sonatas de Beethoven na Argélia e na Tailândia, levando esse repertório também a contextos pouco habituais. Gravou a integral para o selo canadense Atma Classique, recebendo amplo reconhecimento da crítica especializada.
Em 2004, foi condecorado com a Medalha do Presidente da República Italiana pelo seu contributo à arte e à difusão da música clássica. A imprensa internacional destaca a clareza, coerência e intensidade com que lê o repertório clássico e romântico. Com Christian Leotta, Beethoven ganha uma voz ao mesmo tempo fiel e profundamente pessoal.
Realização:
Istituto Italiano di Cultura di Rio de Janeiro
Sala Cecilia Meireles
Recital ‘Beethoven e a Evolução da Sonata para Piano’, com Christian Leotta
Data: 1 de julho de 2025
Horário: 19h
Local: Sala Cecília Meireles – Rua da Lapa, 47 – Lapa, Rio de Janeiro (RJ)
Entrada: Bilheteria